Veja como foi nossa jornada até o extremo norte da América

Um dos momentos mais esperados da viagem, percorrer essa estrada icônica era um desejo nosso. Nem todos os viajantes se encorajam para fazer essa rota, até porque em Deadhorse não tem grandes atrações que ‘justifique’ um caminho tão longo e hostil, mas para nós e para muitos outros viajantes, cruzar o círculo Ártico, chegar no final da estrada, num dos pontos mais ao norte do globo onde se pode chegar com um automóvel, já no oceano Ártico, é mais do que algo simbólico. Desfrutar do caminho e seus desafios era algo importante que queríamos viver.

Paisagens espetaculares e caminhões. Estamos na Dalton Highway!

A distância de Fairbanks até Deadhorse é de 796 km, sendo que 667 km são percorridos na Dalton Highway, um dos lugares mais remotos do Alaska. A estrada foi feita em 1974 para facilitar a construção do oleoduto Trans-Alaska, uma obra gigantesca por meio do qual o petróleo extraído em Prudhoe Bay (Deadhorse) é transportado até Valdez.

Até 1981 a estrada era usada apenas por caminhões e veículos ligados à atividade industrial petrolífera, quando então foi permitido o acesso público até Disaster Creek e em 1994 a permissão foi estendida até Deadhorse. Cabe destacar que o direito de uso continua sendo preferencial para as atividades comerciais, representado principalmente pelos caminhões.

Existem três pequenas comunidades ou pontos de apoio no caminho e na maior parte do percurso, o oleoduto Trans-Alaska é a única indicação de intervenção humana, além da própria estrada e dos caminhões que circulam apressadamente. Boa parte da estrada é de cascalho, alternando com alguns trechos de asfalto, alguns em bom estado de conservação, outros nem tanto. A sinalização é boa, entretanto em alguns trechos é necessário andar devagar pois faltam barreiras de contenção e ao cruzar com caminhões, sempre existe o risco projeção de cascalho nos vidros e faróis (tivemos pequenos trincos no para-brisa e um farol perfurado). Por outro lado alguns trechos de cascalho são planos e firmes, melhores que muita estrada asfaltada que conhecemos em toda a viagem.

Oleoduto Trans-Alaska
Mantendo distância ao cruzar com caminhões
As duas bombas de combustível em Coldfoot

 

A principal opção de abastecimento fica em Coldfoot, a 408 km de Fairbanks, na metade do caminho até Deadhorse, embora o Yukon River Camp informe em seu site que também oferece diesel e gasolina (217 km de Fairbanks – não confirmamos se está disponível). Dessa forma é necessário se planejar nesse aspecto visto que depois de Coldfoot, apenas Deadhorse oferece essa opção.

Recomendamos levar combustível extra por questões de segurança e também de economia. Em Coldfoot pagamos U$ 5,09/galão, e em Deadhorse vimos dois pequenos postos de combustível onde o galão de diesel custava U$ 5,19, enquanto que em Fairbanks pagamos U$ 2,90.

Fazer um bom planejamento é essencial para percorrer essa estrada, pois além dos poucos pontos de apoio e de abastecimento, existe a dificuldade de comunicação, não há atenção médica, tráfego de caminhões, condições climáticas podem variar repentinamente e deixar trechos interditados, as variações de acordo com a estação do ano, etc.

Pontos de apoio:

– Yukon River Camp, a 217 km de Fairbanks – pequeno lodge ao lado da ponte sobre o rio Yukon, oferece opção de hospedagem, café da manhã, jantar, souvenir, internet (paga) e ducha, mesmo para não hóspedes. De acordo com o site deles, também vendem combustível. Horários variáveis de acordo com a estação do ano e do tráfego na Dalton Hwy. Consulte os detalhes aqui.

Aproveite ainda para conhecer o Yukon Crossing Contact Station, a 100 metros do lodge. Trata-se de um centro de Informações com fornecimento de mapas e folhetos. Se quiser uma recordação no seu passaporte, também pode pedir para carimbá-lo aí. Ao lado tem uma pequena trilha que leva até o deck com vista para o rio Yukon, a ponte e o oleoduto.

Ponte e oleoduto sobre o rio Yukon

– Coldfoot, a 408 km de Fairbanks – pequena comunidade na metade do caminho até o Ártico, é ponto de parada dos caminhões que percorrem a Dalton Hwy. Conta com duas pequenas bombas de combustível, um pequeno restaurante, hospedagem, telefone público e internet (paga) e um posto de correios. Não deixe de abastecer aqui! Vale a pena passar no Centro de Visitantes, ver as exposições, obter guias e folhetos e consultar as condições da estrada, sempre atualizadas. Aqui você pode carimbar uma lembrança no seu passaporte. O local não fica aberto o ano inteiro. Consultar detalhes no site do Visitor Center.

Coldfoot, parada de caminhões...
posto de combustíveis...
Correios (!) e mais algumas comodidades básicas

 

– Deadhorse, a 796 km de Fairbanks – a comunidade é um polo industrial e oferece alguns serviços como pequenos postos de combustível (vimos dois), restaurante, hotel, reparo de pneus, telefone público, correios, lavanderia e um pequeno mercado que vende produtos variados, de alimentos a equipamentos industriais.

Tais serviços existem em função dos trabalhadores do local e também estão disponíveis para viajantes e turistas.

Polo industrial em Deadhorse

Como foi nossa experiência

Dalton Highway (AK-11) – Fairbanks-Deadhorse-Fairbanks

Deixamos Fairbanks pela Elliot Highway (AK-2) rumo ao nosso último trecho até o norte. Em poucos minutos fizemos a primeira parada no Oleoduto Trans-Alaska, numa área específica para exibição dessa obra. Existem painéis informativos e equipamentos em exposição, antigos e atuais. Daí em diante o oleoduto seria quase uma presença constante, uma vez que segue paralelo à Dalton Hwy em boa parte do seu traçado.

A Elliot é asfaltada e alguns trechos estavam em obras. Era outono e a vegetação estava escandalosamente linda, com as árvores variando a cor do verde para alaranjado e amarelo. O caminho, as vezes sinuoso, corta as montanhas até encontrar a esperada Dalton Highway. Paramos na famosa placa e tirarmos algumas fotos, felizes por aquele momento. Fizemos nosso almoço ali mesmo antes de continuar. Várias caminhonetes voltavam do norte trazendo animais caçados. No primeiro momento ficamos atônitos ao ver a galhada de antílopes sobre a caçamba, ainda sujas de sangue, embora já sabíamos da cultura local e que a caça é feita de maneira controlada e para subsistência.

Lá fomos nós cortando as montanhas pela linda paisagem que se tornava cada vez mais com cara de outono. A estrada alterna trechos sinuosos com grandes retões, subidas suaves, às vezes íngremes, cadeia montanhosa e também planícies.

Existem pontos que os caminhoneiros deram nome devido a alguma característica do lugar: Roller Coaster (montanha russa), The Shelf (prateleira), The Bluffs (blefe), e por aí vai. Nos lembramos bem da tal montanha russa, uma reta com descida íngreme, seguida de uma subida do mesmo naipe. Um convite para embalar o carro, mas um perigo à vista. Aliás, todo cuidado é pouco.

Sempre que cruzamos com caminhões tratamos de fazer um apoio no para-brisas com uma das mãos pois sempre voam detritos e pequenas pedras, suficientes para causar trincas. Outro cuidado também é reduzir a velocidade ou até mesmo parar mais próximo do acostamento, quando possível. Lembre-se que a prioridade de uso da estrada é deles.

Chegamos em Yukon River Camp e paramos para descansar e conhecer o lugar. Havia chovido na região e o trecho próximo ao local estava encharcado e cheio de lama. Fomos até a margem do rio onde alguns pescadores preparavam sua embarcação e apetrechos de pesca, depois andamos até o centro de informações a poucos metros, atravessando a Dalton.

Passamos sob o oleoduto e demos com a cara na porta. O local estava fechado e não pudemos carimbar nosso passaporte, mas existem painéis informativos muito interessantes em exposição no lado de fora, além de uma trilha curta que termina num deck de frente para o rio e a ponte, legal para tirar fotos.

Se não sujar não é a Dalton

 

Seguimos caminho até o Círculo Ártico, passando por paisagens lindas e montanhosas. Outro marco da viagem, um dos lugares onde se pode contemplar o sol da meia-noite. Tiramos várias fotos e conhecemos outro casal de viajantes que acabara de chegar. Pernoitamos ali perto num camping público.

 

Pela manhã veio uma senhora que trabalha para o serviço nacional de áreas públicas do governo e nos chamou para passar lá na placa outra vez, onde nos entregou um diploma pela nossa chegada ao Círculo Ártico.

A parada seguinte foi no Centro de Visitantes em Coldfoot onde pegamos alguns folhetos e vimos uma exposição interessante sobre a história do lugar, fauna e flora, além de informações sobre as condições da estrada. Carimbamos nosso passaporte e fomos abastecer o Valente a poucos metros dali.

Aproveitamos para preparar nosso almoço no estacionamento e seguimos viagem. A paisagem vai mudando aos poucos, alternando montanhas e vales até atingirmos o ponto culminante na Dalton Hwy, o Atigun Pass, a 1.444 msnm. Fizemos várias paradas nesse trecho pois são muitas paisagens de tirar o fôlego.

A partir do Atigun Pass, os rios que correm para o sul vão desaguar no Oceano Pacífico ou Mar de Bering, enquanto que os que correm em direção ao norte vão desaguar no Oceano Ártico. A vegetação modifica bastante e o relevo vai ficando mais baixo, com a estrada passando longos trechos de planície. Ainda assim as montanhas emolduram o horizonte.

 

Deadhorse – No final do dia vimos vários caribus se alimentando ao lado da estrada. O sol estava se pondo quando nos aproximamos de Deadhorse.

Tivemos uma sensação estranha, um misto de alegria, felicidade, ao mesmo tempo que sabíamos que estávamos chegando no divisor de água de nossa viagem, o extremo norte! Passava um filme pela nossa cabeça, de vários momentos que havíamos passado nos últimos 30 meses desde que deixamos o Brasil.

Desse ponto em diante restaria a volta. Parece que até o Valente ganhava vida própria, cortando aquelas retas finais e o vento frio que já soprava do Ártico.

 

Silêncio. Não tínhamos palavras. Lá fora só o vento forte e gelado. Onde estavam as pessoas? Só víamos aquelas estruturas metálicas e gigantes, máquinas para todo lado, ruas mantidas com moto niveladoras e desertas. As vezes um ou outro carro das empresas passava por nós. Já era tarde e ainda havia luz do dia, mas o mau tempo deixava tudo cinzento e resolvemos procurar um lugar para pernoitar. O vento forte trouxe bastante frio e um pouco de chuva durante a noite. Pela manhã preparamos um café caprichado mas ainda ventava bastante frio. Arriscamos uma saída e vimos ao longe um Moskox que se alimentava numa planície parcialmente inundada. Mesmo de longe, é de se impressionar com um animal tão robusto e resistente ao clima inóspito dessa região.

Latitude 70, ponto mais ao norte onde pernoitamos - GPS 70.19714, -148.40715
Moskox se alimentando pela manhã
Vista de Deadhorse

Voltamos ao polo industrial e percorremos várias ruas, observando a rotina do lugar. Já se via mais carros transitando mas poucas pessoas fora dos edifícios. Resolvemos ir até o final da estrada, o ponto mais próximo do Ártico que chegamos.

A partir daí não é permitido a passagem de particulares. Para seguir até as margens do oceano é preciso agendar com um dia de antecedência um tour oferecido por uma agência local, no valor de U$ 70 por pessoa. Apesar da oportunidade, não fizemos esse passeio porque pretendíamos percorrer a Dempster Highway (Canadá), chegando no Ártico com o carro.

O ponto mais ao norte onde chegamos, a poucos km de Prudhoe Bay
Edifícios construídos sobre pilares

 

Continuamos nosso tour pela área, tiramos várias fotos e conhecemos um pouco do maquinário industrial, além dos serviços essenciais oferecidos ali. Notamos que os edifícios são construídos sobre pilares devido ao tipo do terreno das regiões árticas, conhecido como “permafrost”, ou seja, sempre com partes congeladas, mas que podem mudar de estado, dependendo das variações de temperatura do solo. Um objetivo de elevação dos edifícios é interferir o menos possível no solo, uma vez que são fontes de calor e poderiam provocar derretimento das camadas do permafrost, causando instabilidade e comprometimento na sua própria estrutura.

Outra curiosidade são as estruturas metálicas com dezenas de cabos elétricos pendurados, onde os carros conectam um dispositivo para manter o motor aquecido durante os dias mais frios, evitando o congelamento de líquidos e fluídos. A temperatura atinge facilmente -40°C no inverno na região.

Tomadas elétricas para os aquecedores de motor

Chegamos à famosa placa de boas-vindas a Deadhorse, que marca o final da Dalton Highway. Outro momento emocionante da viagem. Tiramos várias fotos e colamos um adesivo da nossa expedição junto a dezenas de adesivos de outros viajantes. A placa fica num edifício onde funciona um pequeno centro comercial que oferece uma variedade de produtos – alimentos, material de higiene, souvenir, EPI’s, equipamentos industriais, entre outros.

Ali está instalado uma caixa postal dos correios, então tratamos de mandar uma lembrança para nossa família e amigos à moda antiga, com cartões postais. Conhecemos alguns trabalhadores do polo industrial que nos contaram um pouco da rotina por lá. Ainda encontramos o Cláudio, um brasileiro no Ártico! Morador de Fairbanks, já o conhecíamos virtualmente antes mesmo começarmos nossa expedição e roubamos uns minutos do seu horário de trabalho antes de partir.

Nos despedimos e agora a direção apontava para o sul. Mais uma vez bateu aquela sensação estranha, mas estávamos com o coração cheio de alegria. Os primeiros quilômetros foram lentos, parece que não queríamos voltar. Mas ainda tinha muita coisa legal por viver e logo a viagem fluiu.

 

A vasta planície com as montanhas nevadas vistas desse lado formam uma paisagem espetacular. Um caribu cruzou a estrada, mais adiante vimos aves em revoada e um grupo de Moskoxes. Paramos e ficamos a observar esses bichos soltos na natureza. Mas o melhor ainda estava por vir. Acertamos na escolha do nosso próximo wild camping no Galbraith Lake, uma área do governo rodeada por montanhas nevadas. Preparamos nosso jantar e já sabíamos que estava previsto para aquelas noites uma aurora boreal com intensidade 5, numa escala de 0 a 9. Também estávamos precavidos com a presença de ursos.

A Aurora Boreal surgindo diante de nós
Era tanta beleza que não sabíamos para que lado olhar...

Ainda não havia escurecido e a Ane saiu do carro. Logo ouvi um grito dela e pensei que havia ursos. Foi um susto, um alívio, um silêncio, um êxtase. Atrás da montanha nevada, luzes verdes, amarelas e roxas se levantavam como se fosse uma erupção vulcânica. Olhamos para trás e o alaranjado do pôr do sol ainda pairava no horizonte e logo acima a aurora boreal parecia namorar com as luzes do astro rei.

De repente as luzes dançavam no céu, como se um pintor esparramasse um pó brilhante na imensidão do infinito. Ora as luzes se moviam lentamente, ora rapidamente como num piscar de olhos. E assim foi durante três horas.

Não parecia real e ficamos ali em êxtase. Ane via anjos bailando no céu e sentimos a voz embargar… Esse foi um dos maiores espetáculos naturais que vimos em toda a viagem e na vida. Fomos dormir felizes e sentindo paz no coração.

No dia seguinte tomamos um bom café e lentamente voltamos para a Dalton. Próxima parada: Wiseman.

Parada para almoço na Alaska Highway
Um dos trechos asfaltados da Dalton Highway

Wiseman – a 434 km de Fairbanks, o pequeno povoado com origem em um assentamento mineiro mantém alguns pequenos edifícios da época da corrida do ouro e tem opção de hospedagem. Vale a pena uma visita rápida para conhecer e tirar fotos.

Aeródromo em Wiseman
Cabanas em Wiseman
Wiseman e o colorido do outono
De volta à Dalton Highway

Seguimos mais alguns quilômetros até Coldfoot, abastecemos e continuamos até um wild camping na milha 60, onde passamos uma noite tranquila. O céu estava nublado e não vimos a aurora boreal. No dia seguinte continuamos até Fairbanks, desfrutando da paisagem.

Em resumo, passamos 5 dias e 4 noites para ir e voltar a partir de Fairbanks. O tempo estava firme e só choveu um pouco antes de chegar a Coldfoot e quando chegamos a Deadhorse. O único trecho com lama foi próximo a Yukon River Camp. Não tivemos nenhum problema mecânico ou pneu furado.

De volta ao início da Dalton Highway
Dalton Highway - Guia de Visitantes

Para planejar em detalhes um roteiro pela Dalton Highway, baixe aqui o Guia de Visitantes ou clique na imagem acima. Estando no Alaska, recomendamos ter um exemplar impresso, disponível na maioria dos centros de visitantes do estado (gratuito, em inglês). Trata-se de um material excelente com todas as dicas necessárias para uma viagem segura e bem aproveitada.